Por Roberto Shinyashiki
A sociedade atual ensina que, para ser uma pessoa de sucesso, você precisa ser diretor de uma multinacional, ter carro importado, viajar de primeira classe. O mundo define que poucas pessoas deram certo. Isso é uma loucura! Para cada diretor de empresa, há milhares de funcionários que não chegaram a ser gerentes. E essas pessoas são tratadas como uma multidão de fracassados. Quando olha para a própria vida, a maioria se convence de que não valeu a pena porque não conseguiu ter o carro nem a casa maravilhosa.
O mundo precisa de pessoas mais simples e transparentes. Heróis de verdade são aqueles que trabalham para realizar seus projetos de vida, e não para impressionar os outros. São pessoas que sabem pedir desculpas e admitir que erraram. Quando eu nasci, minha mãe era empregada doméstica e meu pai, órfão aos sete anos, era empregado em uma farmácia. Acho lindo quando o Cafu põe uma camisa em que está escrito “100% Jardim Irene”. Não é vergonha ter uma origem humilde. O resultado da preocupação em manter as aparências é paranóia e depressão cada vez mais precoces. O pai quer preparar o filho para o futuro e mete o menino em aulas de inglês, informática e mandarim. Aos nove ou dez anos, a depressão aparece. A única coisa que prepara uma criança para o futuro é ela poder ser criança. Com a desculpa de prepará-los para o futuro, os malucos dos pais estão roubando a infância dos filhos. Essas crianças serão adultos inseguros e terão discursos hipócritas.
Aliás, a hipocrisia já predomina no mundo corporativo. O mundo corporativo virou um mundo de faz-de-conta, a começar pelo processo de recrutamento. É contratado o sujeito com mais marketing pessoal. As corporações valorizam mais a auto-estima do que a competência. Uma vez entrevistei uma moça que respondia todas as minhas perguntas com uma ou duas palavras. Disse que ela não parecia demonstrar interesse. Ela me respondeu estar muito interessada, mas, como falava pouco, pediu que eu pesasse o desempenho dela, e não a conversa. Até porque ela era candidata a um emprego na contabilidade, e não de relações públicas. Contratei na hora. Num processo clássico de seleção, ela não passaria da primeira etapa...
...Muitas pessoas têm buscado sonhos que não são seus. A sociedade quer definir o que é certo. São quatro loucuras da sociedade. A primeira é instituir que todos têm que ter sucesso, como se ele não tivesse significados individuais. A segunda loucura é: “Você tem que estar feliz todos os dias”. A terceira é: “Você tem que comprar tudo o que puder”. O resultado é esse consumismo absurdo. Por fim, a quarta loucura: “Você tem de fazer as coisas do jeito certo”. Jeito certo não existe. Não há um caminho único para se fazer as coisas.
Felicidade não é uma meta, mas sim um estado de espírito. Tem gente que diz que não será feliz enquanto não casar, enquanto outros se dizem infelizes justamente por causa do casamento. Você precisa ser feliz simplesmente tomando sorvete ou levando os filhos para brincar... Quando eu era recém-formado em São Paulo, trabalhei em um hospital de pacientes terminais. Todos os dias, morriam nove ou dez pacientes. Sempre procurei conversar com eles na hora da morte. A maior parte pega o médico pela camisa e diz: “Doutor, não me deixe morrer. Eu me sacrifiquei a vida inteira, agora eu quero ser feliz!” Eu sentia uma dor enorme por não poder fazer nada. Ali eu aprendi que a felicidade é feita de coisas pequenas. Ninguém na hora da morte diz se arrepender por não ter aplicado o dinheiro em imóveis.
Uma história que aprendi na Índia me ensinou muito. O sujeito fugia de um urso e caiu em um barranco. Conseguiu se pendurar em algumas raízes. O urso tentava pegá-lo. Embaixo, onças pulavam para tentar agarrar seu pé. No maior sufoco, o sujeito olha para o lado e vê um arbusto com um morango. Ele pega o morango, admira sua beleza e o saboreia. Cada vez mais nós temos ursos e onças à nossa volta. Mas é preciso comer os morangos!
Roberto Shinyashiki, médico psiquiatra, escritor e palestrante
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