quinta-feira, 12 de novembro de 2009

No Brasil quem paga mais impostos são os pobres


Lúcia Rodrigues


A carga tributária brasileira é profundamente injusta. Os trabalhadores que recebem salários mais baixos trabalham três meses a mais do que os ricos, para pagar tributos. A propriedade e o capital sofrem baixa taxação. E os latifundiários praticamente não pagam imposto sobre a terra.

O estudo divulgado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) sobre carga tributária e capacidade do gasto público no Brasil revela que são os trabalhadores os responsáveis pela maior parcela da arrecadação tributária no país. O percentual despendido para o pagamento de tributos é inversamente proporcional à renda dos brasileiros.

Quem recebe até dois salários mínimos de renda familiar mensal, ou seja, meio salário mínimo percapita por mês (levando-se em conta que o padrão de estrutura familiar no Brasil é composto por quatro pessoas), contribuiu no ano passado, com 53.9% desses recursos para o pagamento de tributos. Ao passo que o esforço dos que se encontram na outra ponta da tabela e recebem acima de 30 salários mínimos ficou na casa dos 29%.

O total de dias trabalhados para o pagamento de impostos por esses trabalhadores de baixa renda foi de 91 dias a mais no ano do que os que se encontram no topo da tabela. Ou seja, os trabalhadores mais pobres tiveram de trabalhar três meses a mais do que aqueles que recebem acima da faixa de 30 salários mínimos de renda familiar mensal.

“O sistema tributário brasileiro tem uma preferência. Fez a opção pelos ricos e proprietários”, afirma o presidente do Ipea, Márcio Pochmann. Ele conta que a tributação no país está focada sobre o consumo, principalmente, dos produtos destinados à população de baixa renda.

“Mas geralmente quem reclama da carga tributária são os ricos. Rico não querer pagar imposto, não é um fenômeno novo, é secular. Infelizmente somos um país que não tem cultura democrática. O sistema político expressa os interesses daqueles que têm propriedade e têm mais recursos para fazer valer os seus direitos”, argumenta.

O papel do Ipea ao produzir estudos dessa natureza é o de mostrar a realidade do país, segundo Pochmann. “Conhecer a realidade é o primeiro passo para transformá-la. No Brasil se tributam alimentos. Nos países desenvolvidos essa tributação não ocorre, pois são bens de primeira necessidade”, frisa. Ele defende a ideia de que é preciso avançar em um mecanismo de educação tributária. “Deve-se informar nos produtos quais são os tributos embutidos neles.”

A estimativa do Ipea para a carga tributária bruta, em 2008, foi de 36,2% do PIB (Produto Interno Bruto), a soma de tudo o que é produzido no país. Para o diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea e professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), João Sicsú, a carga tributária no Brasil não é alta, mas mal distribuída. Ele foi um dos técnicos que participou da elaboração do estudo. Durante aproximadamente um ano e meio dezenas de técnicos do instituto se debruçaram sobre o tema.

“A grande imprensa fala que a carga tributária no Brasil é muito alta. Mas não é verdade. Ela tem distorções. O que tem de se fazer é tornar a carga tributária progressiva. Quem tem mais, paga mais, quem tem menos, paga menos”, ressalta.

Segundo Sicsú, uma das distorções a ser corrigida é o baixo escalonamento de alíquotas do imposto de renda da pessoa física. “Até o ano passado só tínhamos três alíquotas. Maior justiça tributária se faz com um maior número de alíquotas. Deve-se atingir com alíquotas mais elevadas, quem tem rendas mais elevadas.”

No Brasil, o imposto de renda para a pessoa física tem cinco alíquotas, a mais alta fica na casa de 27,5%. “A França tem doze alíquotas. Mas não é só o número de faixas que precisa ser corrigido. Tem de ter alíquotas mínimas e máximas”, frisa.

Na França a alíquota mínima é 5% e a máxima de 57%. Na Holanda a máxima é de 60%, na Bélgica, 55%, na Alemanha, 53%, na Áustria, 50%, Austrália 47%, Israel 50%, Itália 45% e Estados Unidos, 40%. “O imposto de renda é o instrumento para se fazer justiça tributária, sobre a renda, sobre a riqueza”, destaca Sicsú.

Uma das características dos países desenvolvidos ou daqueles que honram o título de países em desenvolvimento é ter uma baixa carga tributária recaindo sobre impostos indiretos, caracterizados basicamente pelos tributos que taxam o consumo.

“Quando se compra um quilo de feijão, o rico e o pobre pagam o mesmo imposto embutido no preço final. Mas isso é absolutamente injusto, porque o esforço que o pobre faz para pagá-lo é infinitamente superior ao do rico.”

Para ele, o ponto central do argumento que deve ser discutido para se reverter essa distorção na tributação brasileira é aumentar os impostos sobre a renda e a riqueza e diminuir o peso dos impostos indiretos.

“A legislação tem de ser modificada para corrigir essas distorções. Tem de se criar mais alíquotas no imposto de renda, tributar a riqueza de uma forma mais justa, tributar a propriedade, o automóvel, apartamento, a herança, lancha, ferrari, o iate…”

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