Diz-me quanto e o que consomes e te direi quanto vales.
“Compre, compre, compre...” Este é o clichê pronunciado por um famoso vendedor televisivo do Brasil ao oferecer seus produtos aos telespectadores. Com um estilo “divertido e original” este apresentador (perito em vendas) nos leva a acreditar que suas bugigangas (quinquilharias) sejam essenciais para a sobrevivência humana. O bem-sucedido apresentador nada mais é do que um “porta-voz” de uma sociedade que outrora “pensava”, logo existia e que hoje se preocupa em “consumir para existir”.
A febre do consumismo é difundida nas mais diferentes classes sociais, etnias e espaços geográficos. Embora boa parte da população consuma apenas as “imagens”, a outra parte se lança na “aventura” dos “crediários das Casas Bahia” (com prestações a perder de vista). Paga-se, assim, duas ou três vezes pelo preço real do produto. Nesse afã desenfreado de consumir, muitos se enredam em dívidas impagáveis, recorrendo, então, a bancos ou a financeiras que emprestam dinheiro com juros escorchantes; desta forma, a dívida anterior será paga com outra, e o círculo vicioso tende a aumentar.
Desde o nascimento somos induzidos e bombardeados pela indústria da publicidade e da propaganda a seguir um padrão de vida, de consumo, de felicidade: “compre e seja feliz”. As marcas e as etiquetas comandam a ditadura do consumo. Assim como a “mentira dita mais de mil vezes acabava por se tornar verdade” (publicidade nazista), do mesmo modo a propaganda, sob a forma da repetição, age no inconsciente de cada ser; leva-nos a consumir marcas, não produtos: compramos sem querer o Bombril (ao invés de esponja de aço), a maizena (no lugar do amido de milho), a Gillette (como se fosse o barbeador), a Coca-Cola (como o único refrigerante), a Qboa (como a melhor água sanitária), o “Omo” (como o único sabão em pó) e compramos “Kibon” (como se não houvesse outra marca de sorvete).
A nossa geração está consumindo, entretanto, como se fosse a última a habitar o planeta Terra. É um sistema não sustentável que exaure riquezas naturais e minerais de forma espantosa. Se todo o mundo, por exemplo, consumisse, em média, igual a um norte-americano com seu “american way of life”, teria de existir 3 a 5 planetas como o nosso, e o problema é que temos apenas um (os EUA têm apenas 4% da população mundial e consome um quarto de toda a energia produzida no mundo).
Um bom exemplo é o automóvel (símbolo de liberdade, poder e prazer), aspiração e sonho de consumo mais desejado dentre os homens na face da Terra. As marcas, os modelos, a potência, o design, o conforto, fascina a todos. A cada ano há alguma mudança nos carros: apresenta-se um novo modelo, um farol, um detalhe. Segundo Goldemberg (2010), existe hoje, no mundo, cerca de 700 milhões de automóveis; um para cada dez habitantes. Nos Estados Unidos o número de carros se equipara à quantidade de pessoas (incluindo as crianças). No Brasil são quase sete pessoas para cada automóvel, e em 2014 deveremos ter quatro pessoas por veículo – em outras palavras, cada família deverá ter um carro. Prevê o pesquisador que dentro de 20 anos haverá 2 bilhões de automóveis circulando no mundo. A cidade de São Paulo emplaca aproximadamente 800 novos carros diariamente. Multiplique este número por 7 dias da semana (5.600), por 30 dias do mês (24.000), por 365 dias no ano (292.000). São quase 300 mil carros novos que começam a trafegar em apenas um ano em uma cidade. Quais os custos econômicos (dentro de 40 anos extinguem-se as reservas mundiais de petróleo), os custos sociais e ambientais para tal realidade? Engarrafamentos, poluição, acidentes... O pior é que muitos governos instigam, legitimam e encorajam a população a comprar mais automóveis para que possam salvar as grandes empresas da falência; e reduzem impostos a fim de gerar mais empregos com o objetivo de promover um modelo duvidoso de desenvolvimento. Logo após o ataque de 11 de setembro, o presidente Bush mandou a população consumir. Da mesma forma, na última crise financeira global de 2008, muitos estadistas conclamaram o povo a consumir a fim de salvar a economia.
Por fim, vivemos a civilização do “tempo integral”, que não se desliga. As vacas, as galinhas, as flores, as pessoas já não dormem. A luminosidade faz com que vivamos um eterno dia. Já não descansamos, já não sonhamos, já não nos alimentamos adequadamente. Vivemos a globalização do hambúrguer e a ditadura do fast food, da plastificação da comida à escala mundial, obra da McDonald's, Burger King e outras fábricas. O “moderno” é levar (intoxicar) nossas crianças e nossos jovens em tais “restaurantes”. Vivemos a sociedade não apenas do “fast” food, mas do “fast” drive, “fast” love, ou seja do “fast” life... Assim, a qualidade de vida vem sendo substituída pelo “viver apressadamente”. Quem lucra com isso são as indústrias farmacêuticas com seus sedativos, ansiolíticos e demais drogas químicas. Nunca a palavra “stress” foi tão pronunciada e vivenciada como hoje. Por exemplo, no Google, em um comparativo, a palavra “sexo” tem 67.200.000 resultados, enquanto que o termo “stress” tem 171.000.000 de resultados. Angústia, depressão, pânico são também muito recorrentes...
Se a sociedade de outrora se pautava no “ser”, nos dias atuais se pauta no ter e no aparecer. Não mais “sou”, nem “tenho”, mas “pareço ter”, por que a “imagem é tudo”. Quanto mais vivemos a era da comunicação e da portabilidade (Internet, celulares, agendas eletrônicas), mais precária é a nossa comunicação intersubjetiva. A sociabilidade sucumbiu em nome da individualidade. Somos mais infelizes, mais fúteis e vazios do que outrora. Somos condenados a viver a uniformidade, não a diversidade. Quem não seguir os “padrões” do consumo está “fora da moda”; é motivo de desprezo e piadas... Devo seguir o molde de vida, de felicidade, de beleza daquela atriz (ator), daquela(e) modelo, daquela revista. Devo vestir, comer, sentir segundo o padrão da uniformidade. Quem estiver fora desse protótipo é “infeliz” e “excêntrico”.
Professor Dejalma Cremonese - dcremo@hotmail.com
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