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Vem a propósito lembrar essa famosa passagem da história brasileira, em vista do equívoco em que alguns vêm incorrendo quanto à aplicação das restrições a candidatos corruptos formalmente definidas na lei identificada como Lei da Ficha Limpa, sancionada em 4 de junho deste ano. A distorção na interpretação de uma passagem da lei configura verdadeiro estelionato gramatical, sendo lamentável que, endossando a interpretação maliciosa proposta por defensores dos corruptos, alguns jornalistas que exercem influência sobre a opinião pública afirmem categoricamente que a lei não alcança os que foram condenados por corrupção antes de 4 de junho de 2010.
Relembrando os termos precisos do estelionato, estava tramitando no Senado o projeto de lei de iniciativa popular, explicitando algumas hipóteses de inelegibilidade já previstas, genericamente, na Constituição, que autoriza as restrições para proteger a moralidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato. Por emenda proposta pelo senador Francisco Dornelles (PP-RJ), a expressão "políticos que tenham sido condenados" foi substituída por "os que forem condenados", com o intuito evidente de lançar confusão, explorando o despreparo e o descuido dos desavisados. Com efeito, não é difícil demonstrar que o dispositivo em que figure a palavra "forem", como no caso da Lei da Ficha Limpa, tem o sentido de "tiverem a condição de", bastando atentar para o pormenor de que "forem", nesse caso, é do verbo "ser" e não do verbo "ir".
Condição, qualidade - Alguns exemplos calcados na legislação brasileira deixam evidente que a palavra "forem" tem sido freqüentemente usada na linguagem jurídica para designar uma condição. Assim, no Código Civil que vigorou desde 1916, no artigo 157, ficou estabelecida a possibilidade de separação de um casal por mútuo consentimento "se forem casados por mais de um ano". E jamais se disse que isso valia apenas para os casamentos futuros.
Mais tarde, quando se introduziu o divórcio no sistema jurídico brasileiro, a lei nº 6515, de 26 de dezembro de 1977, dispôs que poderia ser dada a separação judicial dos cônjuges "se forem casados há mais de dois anos". E pelo artigo 49, parágrafo 6º, estabeleceu-se que o divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de três anos da data da sentença. E jamais se disse que essas disposições valiam apenas para os casamentos realizados depois da vigência dessa lei ou para os que adquirissem a nacionalidade brasileira depois da nova lei.
As expressões "forem casados" e "forem brasileiros" designavam, precisamente, uma condição ou qualidade, nada tendo a ver com acontecimentos futuros. Acrescente-se, ainda, que o novo Código Civil brasileiro, de 2002, estipula, no artigo 1642, inciso VI, que tanto o marido quanto a mulher podem "praticar todos os atos que não lhes forem vedados expressamente". E ninguém, razoavelmente esclarecido, dirá que só estão proibidas as vedações estabelecidas por lei posterior a 2002. Quando a lei diz "forem vedados" refere-se a estarem vedados, podendo a vedação estar prevista numa lei muito antiga.
Objetivo da lei - Analisando com muita precisão essa questão verbal, o ilustre presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, desembargador Nametala Jorge, fez a colocação correta quanto ao sentido da expressão "forem condenados" constante da Lei da Ficha Limpa: "Quando a lei fala em condenados não importa o tempo do verbo. O que importa é a qualificação e o que qualifica a condição do candidato é ele ser condenado. Sendo condenado, tanto faz aquele que já era antes da lei como aquele que vier a ser condenado até requerimento do registro". Ninguém poderá, honesta e sinceramente, duvidar do objetivo da lei, que é impedir a candidatura dos que tiverem sido judicialmente reconhecidos como corruptos e por isso inaptos para representar qualquer segmento da cidadania brasileira.
Dalmo de Abreu Dallari, jurista - dioneiws@gmail.com
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