
Mário Maestri
Mesmo como historiador, consciente da construção incessante das consciências, sempre me impactou o consenso construído contra, nesse caso, a população judaica, em enorme parte da Europa civilizada, nos anos anteriores e durante a II Guerra. Não é simples apreender plenamente o processo de literal banalização da desumanização das comunidades demonizadas, que prosperou solto, durante os anos que procederam ao massacre medonho.
Sábado passado, pela tarde, assisti o noticiário de grande rede televisiva brasileira, anunciando, com visível satisfação, que ataque aéreo da OTAN havia atingido residência de familiares de Kadafi, sem, no entanto, conseguir matá-lo, segundo fonte "não confirmadas". Enquanto a telinha transmitia celebração de rebeldes de Benghazi, apresentada como ocorrendo em Trípoli, o ancora agregou, lendo o script dos redatores da rede televisiva, que no ataque cirúrgico não havia que se lamentar a morte de civis. Isto por que teriam morrido apenas dois "netos" e o "filho" menor do "ditador", de 28 anos, que até pouco estudava na Europa.
Certamente informado pelo serviço secreto russo, Vladimir Putin, em visita à Dinamarca, na última terça-feira, denunciara o plano dos dirigentes da OTAN de assassinar a Muamar Kadafi. Na ocasião, perguntara : "- Quem deu o direito a eles [membros da OTAN] de sentenciar alguém à morte [...]." O primeiro-ministro russo lembrou que a ONU não autorizou - como não poderia autorizar, sob qualquer pretexto - o assassinato do dirigente líbio.

O planejamento da morte de um chefe de Estado, por um outro, é crime de Estado, de extrema gravidade, sancionado penalmente pelo direito internacional. Uma ordem de ataque direta, tomada inarredavelmente a frio pelos representantes máximos das três grandes nações envolvidas nos fatos, absolutamente despreocupados com as inevitáveis vítimas civis, constitui ato de terrorismo de Estado que passa a pesar sobre os senhores Sarkozy, Obama e Cameron.
Um ato terrorista de Estado que certamente não causará impressão, se não despertar regozijo, entre enorme parte da população européia e estadunidense. Isto porque ele ceifou a vida de um jovem homem e de três crianças certamente árabes e possivelmente muçulmanas. Raça e religião demonizada nas últimas décadas, igualmente a partir das necessidades de rapina do mundo pelo grande capital. Portanto, não há, nos fatos, a lamentar perdas, nem civis, nem humanas.
* Mário Maestri, 62, é historiador. E-mail: maestri@via_rs.net
Retirado do jornal "Pravda.ru".
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